terça-feira, 21 de agosto de 2012

The Master and Margarita

Autor: Mikhail Bulgakov
Ano de publicação: 1966-1967

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Yo! How's it going?


Trago um texto um tanto quanto diferente para os meus leitores aqui no blog hoje: escrevo sobre "The Master and Margarita", obra do escritor russo Mikhail Bulgakov começada no final da década de 20 e "terminada" na década de 30, sendo publicada somente em 1966.

Antes de discorrer sobre o livro e tecer meus comentários sobre o mesmo, porém, tenho de registrar aqui meu profundo agradecimento ao ator Daniel Radcliffe, cujas entrevistas extremamente interessantes sobre arte e literatura me deixaram curioso o suficiente para pegar "The Master and Margarita" e devorar o romance com avidez ímpar. Novamente peço desculpas por fazer uso das versões de nomes de personagens em inglês (em especial da versão que li), mas como não li o livro em português, não me resta outra saída. Now on to the show!

Plano de fundo: Moscou vive um período singular. Em pleno final da década de 20, a razão e filosofia socialista semeiam desconfiança e segredos em uma sociedade marcada também pelo ateísmo intrínseco de quase todos os seus cidadãos. É exatamente nesse cenário que o Diabo enxerga seu palco, chegando a Moscou com o pseudônimo de Woland e acompanhado de sua trupe extraordinária que tem como intuito tumultuar a cidade e armar o cenário perfeito para um evento de porte peculiar: o Baile do Diabo.

Para sua realização, é necessário que conheçamos Margarita Nikolayevna, indicada anfitriã do baile por Woland, e seu amante escritor cuja alcunha é "Master" (Mestre). O que ambos não sabem, no entanto, é que o livro escrito pelo chamado Mestre também tem suma importância nos planos de Woland, o que pode levar o casal a uma transcendência histórica e até religiosa que os fará confrontar justamente o protagonista do livro criado pelo Mestre: Pôncio Pilatos (Pontius Pilate), o homem que ordenou a execução de Jesus Cristo.

Papum: "The Master and Margarita" é uma obra muito mais complexa, carnavalesca e provocante do que tenho a pretensão de poder julgar, o que torna meus comentários apenas impressões de uma mente que tenta entender e assimilar com cuidado o que acabou de absorver. Having said that, sinto-me um pouco mais livre para tecer minhas impressões e compartilhar o que pude digerir.

Escrito sumariamente na década de 30, "The Master and Margarita" retrata muitos aspectos de sua época de desenvolvimento com exatidão e olhar curiosos: da desconfiança de qualquer cidadão de Moscou para com seus compatriotas a crimes invisíveis contra o regime soviético, incluindo ainda a censura de arte e proibição de moedas estrangeiras como elementos taxativamente instituídos para o povo durante tal período. Nesse cenário também entra a era de ateísmo vivida pelos moscovitas, onde o desconhecido e inexplicável deve ceder lugar à razão. Não há cenário mais perfeito para o Diabo fazer sua festa, física e metaforicamente falando.


É difícil falar sobre o que "The Master and Margarita" realmente é, contudo. Mesmo os estudiosos da literatura bulgakoviana não conseguem classificá-la quanto ao seu verdadeiro gênero, tampouco saber seu verdadeiro propósito. O que temos, no entanto, é comoção garantida com o caos criado por Woland e seus companheiros Korovyov (uma espécie feiticeiro farrista), Behemoth (um enorme gato falastrão), Azazello (o mensageiro irritadiço) e Hella (a bruxa silenciosa sempre nua).

Tentando dissecar a obra e alguns de seus inúmeros temas de modo bem objetivo, vemos o romance abrir com uma discussão peculiar entre um editor chamado Mikhail Berlioz e seu amigo poeta Ivan Nikolayevich: a importância de seu trabalho de desmistificar para o povo entidades grandiosas, em especial Jesus Cristo. É nessa hora que Woland (Diabo) surge na conversa: ora essa, desmistificar alguém como Jesus é o mesmo que desmistificar tanto o bem quanto o mal, o que leva Woland a se inserir no diálogo e perguntar a Berlioz por que a importância de Jesus tem de ser desconstruída. Tem início então um profundo debate sobre a existência de uma força maior que age no tear do destino; Berlioz acredita que qualquer homem faz seu próprio caminho, argumento rebatido por Woland prontamente: se um homem faz seu próprio destino, como pode ele estar sujeito a casualidades acidentais, como de fato está? Seguindo essa linha e brincando com o ateísmo de seu interlocutor, Woland nos narra a história do julgamento de Yeshua Ha-Notsri (Jesus de Nazaré) perante Pôncio Pilatos. É interessantíssimo vermos aqui, contudo, que Bulgakov atém-se a fatores muito mais históricos do que religiosos, fazendo uma releitura de cena certamente cativante e, vejam bem, incrivelmente plausível. Tal relato não só nos interessa pelo modo como a história de Pilatos é recontada como coloca em pronto andamento uma onda de desordem em Moscou, iniciando a partir da morte absurda de Berlioz logo depois de sua conversa com Woland e ganhando escala com desaparecimentos, hipnotismos em massa e muita confusão por todos os cantos da cidade.


Por incrível que pareca, a participação dos protagonistas do livro, o Mestre e Margarita, é incrivelmente baixa. No entanto, ambos tem suma relevância no plano traçado por Bulgakov: afinal, o Mestre representa o próprio Bulgakov e sua luta excruciante contra as críticas recebidas durante sua carreira, representando aquilo que Bulgakov mais temia - sucumbir ao negativismo por ele recebido. Mais importante do que isso, porém, é também entendermos que o Mestre é o autor do livro cujo conto inicial Woland narra para Berlioz logo na abertura de "The Master and Margarita", uma metaficção que reconta os acontecimentos marcantes de Pôncio Pilatos e Yeshua Ha-Notsri e acaba por tornar o Mestre justamente uma figura parecida com a do próprio Jesus: terna e inteligente, mas vítima de criticismo e traição que acabam por levá-la à ruína antes da salvação. O que difere Yeshua e o Mestre, no entanto, é que Yeshua jamais deixara de acreditar na bondade enquanto fator intrínseco da humanidade, enquanto o Mestre, assim como Pôncio Pilatos, não tem o mesmo senso. Todos concordam com Yeshua, no entanto, quando o apontado messias indica que a covardia é o vício humano mais terrível, elemento abordado em inúmeros momentos do livro.

Interessante também é como Bulgakov quebra paradigmas estabelecidos pelo leitor durante o livro inteiro. Misturando diferentes estilos narrativos durante a obra (em sua primeira metade mais concreta e em seu término mais abstrata e fantasiosa), o autor é capaz até mesmo de brincar com a personalidade do Diabo e torná-lo uma figura não inteiramente ruim, mas de interesses peculiares e pensamentos marcantes como os de Yeshua. Sua representação é visivelmente baseada em Mefistófeles, a figura do Diabo em "Fausto", de Goethe, o que dá ao livro camadas e camadas de maiores interpretações. Há a necessidade da existência de sombras para a existência da luz, tema amplamente abordado por Goethe em sua obra-prima e aqui também. A reinvenção das cenas da morte de Yeshua e Judas também tornam-se incrivelmente palpáveis na mão de Bulgakov (ou seria nas mãos do Mestre?), levando a um interessantíssimo conflito interno de Pôncio Pilatos que reflete nos dois tempos dentro de "The Master and Margarita", seja na Judeia do ano 33 ou em Moscou do fim da década de 20.

Infelizmente, porém, o romance é marcado pelo fato de Bulgakov não ter conseguido revisá-lo por completo. Falecido em 1940, o autor foi capaz apenas de revisar as partes que julgava mais cruciais ao livro, esperando que, de qualquer forma, uma obra tão blasfêmica jamais pudesse ser publicada. Sua previsão tornou-se incrivelmente errada, é claro, e após a publicação de "The Master and Margarita", os trabalhos de Bulgakov ganharam notoriedade e levaram o falecido autor a um dos postos mais altos da literatura russa do século XX, colocando-o ao lado de figuras literárias históricas como Dostoyevsky e Alexandre Pushkin (figuras cujas referências estão por toda a obra de Bulgakov, devo acrescentar).

Fantástico e lúdico, "The Master and Margarita" é um livro para ser lido com calma e amplamente digerido. Estranhamente engraçado e comovente, a obra de Bulgakov é altamente simbólica e recheada de conteúdos políticos e sociais abordados com ironia e sarcasmo, cedendo espaço ao mesmo tempo à grande imaginação do autor em voos incomuns que a tornam verdadeiramente única. O legado cultural da obra também permanece forte na Rússia, vendo algumas de suas frases virarem verdadeiros ícones: como exemplo, e tomo liberdade de traduzir a expressão aqui, "manuscritos não queimam", alusão à ideia de que um livro pode ser destruído fisicamente, mas suas ideias permanecem em seu autor e naqueles que foram tocados (o que é irônico para o caso de Bulgakov, que assim como seu personagem Mestre, queimou muitos de seus manuscritos em ataques de raiva e depressão, acabando por perder completamente o que havia escrito).

'Nuff said. Deixo vocês com o link para minha música predileta dos Rolling Stones, "Sympathy for the Devil", inspirada no personagem Woland de "The Master and Margarita".

http://www.youtube.com/watch?v=pkXIYgsvO0c


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In a nutshell:

- The Master and Margarita -
Thumbs Up: variação de recursos narrativos verdadeiramente impressionante; olhar histórico-religioso peculiar e intrigante; pastiche de alegoria e realismo digno dos maiores clássicos do modernismo; referências culturais, literárias e políticas em quase todos os seus parágrafos; abertura e fechamento profundamente inspiradores; construção e destruição contínua do ritmo de acontecimentos;
Thumbs Down: dificuldade em entender boa parte das referências da obra sem o auxílio de notas de edição; elenco de personagens cujos nomes são de difícil memorização; 

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